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Sabatina

João Luis dos Santos

Publicado aos sábados

13/12/2019

O demagogo e o tosco

Alguns bons anos atrás, um candidato a vereador em Penápolis, em plena campanha eleitoral, no palanque de seu candidato a prefeito fazia inflamado discurso. Tecia grandes elogios ao líder de seu partido, o candidato a Prefeito. Dizia que seu candidato era o melhor, o mais preparado e tinha as melhores propostas para a cidade. Que iria trazer indústrias para a cidade, trazer faculdades, grandes lojas e magazines, que melhoraria os salários de quem já estava empregado, que asfaltaria todas as ruas da cidade e que levaria iluminação em cada canto do município, inclusive para a zona rural. De repente, não mais que de repente, o inflamado candidato a vereador, popular na cidade por ser vendedor ambulante, soltou a frase: “esse é o mais demagogo de todos os candidatos”. Aqueles que estavam no palanque, incluindo o candidato a Prefeito, que sabiam o significado da palavra demagogo começaram bater palmas para silenciar a gafe do candidato a vereador. No entanto, o orador ficou ainda mais inflamado e reiterou, pegando na mão do candidato a prefeito, dizendo: “está aqui o mais demagogo de todos os candidatos, podem votar nele que eu garanto”.

 

Simplicidade

Em sua simplicidade, o conhecido candidato a vereador desconhecia o real significado na palavra “demagogo”.  Com certeza, pensava que fosse uma palavra elogiosa. A história, confirmada como verdadeira pelo então candidato a prefeito, seus filhos, correligionários e amigos, transformou-se em um grande narrativa do anedotário político eleitoral penapolense. Quem conheceu o candidato a prefeito sabe que não era demagogo, mas um idealista que desejava o melhor para nossa cidade. Não se elegeu, mas a culpa não foi de seu cabo eleitoral. Havia candidatos mais fortes naquele certame local. Lembrei-me dessa história devido a mais uma verborragia do nosso demagogo presidente da república, Jair Bolsonaro. A seguir, peço permissão para transcrever o artigo do jornalista e cientista político Leonardo Sakamoto tratando do caso mais recente que ganhou repercussão internacional.  

 

A pirralha

“A ativista sueca Greta Thunberg, de 16 anos, foi escolhida a Personalidade do Ano pela revista Time por sua luta contra as mudanças climáticas nesta quarta (12). No dia anterior, Jair Bolsonaro, que tem sido apontado como uma ameaça ao planeta por seu apoio a quem desmata e queima a Amazônia, a chamou a jovem de "pirralha". Ela havia criticado a morte de indígenas no Brasil, notadamente os dois caciques Guajajara assassinados no Maranhão. Ao comentar, Jair mostrou a falta que maturidade faz: reclamou do espaço que a imprensa dava a ela e aproveitou para surfar em sua popularidade, uma vez que lhe falta luz própria nesse tema. Pelo contrário, moveu o país do posto de líder no debate ambiental para o de pária global. Debochando do presidente, a jovem de 16 anos – que tem liderado estudantes para cobrar governos por medidas concretas contra o aquecimento global – mudou sua bio no Twitter para "pirralha".

 

Viralizou

“Com a escolha da prestigiosa Time, Bolsonaro foi alvo de escárnio internacional, o que não tem sido exatamente uma novidade desde que assumiu o cargo em janeiro. Detalhe: ele também concorria à mesma indicação. Após o sarcasmo de Greta viralizar, o porta-voz da Presidência da República afirmou que Bolsonaro não foi descortês ou inadequado com ela. "Pirralha é uma criança ou pessoa de pequena estatura. Do ponto de vista gramatical ele não foi descortês", afirmou. Esse comportamento é bastante característico do presidente: fala a bobagem e, ao invés de assumir o que disse, nega e afirma que foi mal compreendido por conta de uma suposta má fé da imprensa contra ele. Ou terceiriza responsabilidades”.

 

Famigerado

“No caso da Amazônia, por exemplo, incentivou – através de discursos e entrevistas – que madeireiros, garimpeiros, grileiros e pecuaristas botassem abaixo e transformassem em cinzas a floresta em nome de uma concepção distorcida de desenvolvimento. Acusado disso após os índices de devastação darem um salto, culpou indígenas, cientistas, camponeses, ONGs, Leonardo DiCaprio, governadores, a imprensa, tirando seu corpo fora. Sim, a palavra "pirralha" também aceita esse significado. Mas ele claramente escolheu um mais pejorativo ao se referir a ela.  No conto "Famigerado", presente no livro "Primeiras estórias", de Guimarães Rosa, um médico do interior recebe a visita que quatro jagunços. O líder, Damásio Silveira, pediu que ele explicasse o significado da palavra "famigerado", pois a ouviu de um membro do governo. Com medo de provocar uma guerra, o médico trouxe à tona outros significados da palavra – "célebre", "notório", "notável". Não disse que também significava "tristemente afamado", deixando o recado nas entrelinhas. O jagunço não entendeu e ficou satisfeito com o "elogio".

 

Elogios. “Consultando o Grande Dicionário Houaiss, vemos que "tosco" também significa aquele "que se apresenta tal como veio da natureza". "Incapaz" também é "aquele que é excluído de certas funções por força de lei". "Grosso" refere-se aquele "com consistência, denso". "Limitado" significa "aquele que tem limites estipulados no poder". "Tapado" é o "rio que passou a desaguar em lagoas por ter a foz obstruída naturalmente". Se o Palácio do Planalto está dando a oportunidade de escolhermos um sentido das palavras que vai na contramão do significado aceito coletivamente, não vai se importar se chamarmos o presidente por esses termos. Talvez veja até como elogio”.

(parte final artigo do jornalista e cientista político Leonardo Sakamoto).

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