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Sabatina

João Luis dos Santos

Publicado aos sábados

29/08/2020

Heróis e Heroínas da Educação

É fatal e ninguém pode negar: a pandemia do coronavírus está obrigando todos nós pela busca de novas atitudes e novas posturas diante do cotidiano pessoal e profissional. Reinventar-se. No entanto, os desafios existentes antes da pandemia tornaram-se mais complexos e alguns deles foram escancarados, como a extrema desigualdade social que abate nossa sociedade. Com reflexos na Educação e não poderia ser diferente. Imagine uma casa de cinco pessoas. A mãe e cinco filhos. A mais velha com 15 anos e o mais novo com 5 anos de idade. Todos os filhos e as filhas matriculados em escolas públicas e a mãe diarista e não recebe pensão alimentícia. Casa com dois quartos, um banheiro, um computador antigo sem acesso adequado à internet (que ganhou de um tio), dois celulares na casa, sendo que nenhum é smartphone. Dificuldades? Muitas com certeza. Mas essa mulher não se deixou abater. Foi à luta. Com a ajuda das filhas mais velhas, de 15 e de 13 anos, organizou sua casa. Pediu ajuda para amigos e parentes e transformou sua casa em uma escola. Horário para estudar, horário para brincar, horário para dormir, horário para limpar a casa. Não está sendo fácil, mas está tocando a vida com a clara certeza de que sem Educação não há futuro bom para seus filhos.  

 

Mãe coragem

Trabalhadora de uma indústria de calçados. Deixou o emprego para cuidar dos filhos. Não tinha onde deixar seus três filhos, dois meninos e uma menina. Tinha algumas pequenas reservas. O marido é autônomo e os serviços continuaram estáveis na pandemia. O pouco daria para manter a casa e as despesas. A criança mais velha com seis meses foi para creche e desde sempre em escola de período integral. O mesmo caminho seguiu os mais novos. Então, tocava a vida assim. O marido levava as crianças pela manhã e ela buscava à tarde. Com a pandemia a “vida deu uma reviravolta”. Mãe doente e o marido não tem família na cidade. Não pensou duas vezes, deixou o emprego. “Já valorizava, mas agora valorizo ainda mais os professores e a escola” falou emocionada. Teve que reinventar seu cotidiano, mas está feliz cuidando dos filhos. Disse que está aprendendo muito com eles.

 

Merendeira da cidadania

Percebendo que os produtos utilizados na merenda iriam vencer e seriam jogados no lixo, merendeira organiza pequenas porções e mesmo contrariando ordem de suas superioras no setor de merenda, conhecendo a realidade dos estudantes, e com ajuda de uma colega de profissão, distribui 26 pequenos pacotes às famílias que ajudaram alimentar as crianças durante uma semana em suas casas. Ficou aliviada e orgulhosa porque sabia que aqueles produtos seriam descartados em poucos dias. “Poderia até perder o meu emprego ou receber uma advertência, mas sei o que fiz foi o correto e o Nosso Senhor sabe que sim, faria de novo” exclamou e sorriu com sua conhecida timidez.

 

Professor vibrante

Professor vai ao posto de gasolina e, com recursos próprios, enche o tanque de combustível de sua motocicleta, avisa a família que não vem almoçar em casa e que irá para a zona rural da cidade atrás de alunos, não saberia dizer o horário que voltaria. Passa na escola, pega a lista com os nomes dos alunos, enche a mochila com atividades que serão entregues aos estudantes. Visita mais de uma dezena de casas, pegando os telefones, novos contatos, entrega os materiais didáticos, confirma as enormes dificuldades das famílias, compadece e reconhece os desafios, conversa com as famílias e com os estudantes. Pais e mães se comovem, choram de emoção e assumem compromisso de medir esforços em prol da educação dos filhos. “Tinha que fazer a minha parte, não pensei duas vezes”.

 

Professores das famílias

Os ainda remanescentes Professores do Programa Escola da Família (PEF) mobilizam a comunidade para arrecadação de alimentos e de agasalhos em grande quantidade que, além de atender às demandas das próprias escolas, ainda são direcionados para os Fundos de Solidariedade de cidades da região Penápolis. Também, aos sábados e aos domingos, visitam famílias dos estudantes que não estão participando das atividades propostas pelas escolas e realizam buscas solidárias, mais que ativas, buscas solidárias e acolhedoras. “Não podíamos ficar parados e fizemos bem a nossa parte” disse o representante dos entusiasmados e das entusiasmadas professoras do PEF.

 

Agentes solidárias

Professora Coordenadora de uma Escola Estadual resolveu caminhar a pé pelo bairro, visitar estudantes e suas famílias. Uma lista por dia, todos os dias. As visitas foram exitosas. As famílias agradeceram as visitas. A Coordenadora volta com misto de realização e preocupação. Conhecia de perto uma realidade que imaginava. Algumas famílias desestruturadas, crianças e adolescentes muitas vezes sem o apoio necessário dentro de casa. “Temos que fazer mais por essas crianças” afirma. Agente de Organização Escolar (Inspetora de alunos), no horário de expediente pega o telefone e liga para as famílias para motivar a participação dos alunos nas atividades remotas e para buscarem material didático nas escolas. Leva serviço pra casa, pois sabe que encontrará alguns pais e mães somente à noite e nos finais de semana. Com um belo sorriso, conta: “eu sabia que ia encontra-los no domingo pela manhã e encontrei. Estavam achando que não precisariam fazer lições em casa”.

 

Diretores engajados

Diretora transforma a Escola da cidade em principal espaço de solidariedade, arrecadando cestas básicas para as famílias em situação mais extrema. Diretor de Escola Estadual conclama os professores da escola e professores amigos para gravarem aulas e colocarem na internet para estimular e motivar os alunos para prestarem exames do ENEM e para conteúdos comuns das disciplinas. Diretora de Escola foi à rádio comunitária da cidade e convocou as famílias e toda comunidade local para engajamento e estímulo aos estudantes que não estavam participando das atividades remotas propostas pelos professores. Também utilizou o serviço de som dos supermercados da cidade para engajamento de todos. Vice-diretora de Escola mobiliza famílias e estudantes para participarem de concursos de cidadania e participação em projetos especiais. Vice-diretora se mobiliza atrás de estudantes da zona rural, residentes em olaria, e recebe a mensagem de uma aluna: “muito obrigada por não permitir que a gente abandone a escola”.

 

Histórias reais

Essas são algumas das histórias reais de pessoas que não se conformam com a situação dada. Pessoas que levantam cedo sabendo que é preciso fazer a diferença naquele dia na vida de outras pessoas. Familiares e funcionários públicos da Educação. Heróis e heroínas  sem capa, sem espadas, sem poderes mágicos. Heróis e heroínas mobilizados pela empatia, pelo profundo amor que transborda em seus corações.  

 

santos.joaoluis@yahoo.com.br

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